Não consigo pensar em mim nesse dia.
Penso somente em ti. No que faríamos durante o dia. No que fizemos durante anos. Foi uma rotina que tivemos dos meus 18 aos quase 40 anos. Todos os sábados e domingos. Solteira, casada e divorciada.
Religiosamente íamos ao pequeno almoço e dar uma voltinha fosse na feira de Rio Tinto, fosse no Café Miranda, fosse no café 15 de Setembro. Fosse ao centro comercial Parque
Nascente para ires à Primark e C&A. As tuas compras de casa vinham a seguir.
Sabemos que somos bons filhos quando não queremos decepcionar e não falhamos um sábado e um domingo durante 22 anos consecutivos. Davas a tua voltinha, era a minha vez depois de mulher de te levar a passear.
Sentadas ficávamos 1h a falar de histórias, livros, amores, filmes, problemas, segredos. Risos, lágrimas, conselhos, ensinamentos. Ouvi tantas vezes:
- és uma eterna insatisfeita! Devias ler menos faz-te mal.
(Minha mãe chegou a dizer-me que os livros da Sveva Casati Modignani iriam levar-me ao divórcio e levaram.)
Comias uma torrada e uma meia de leite, não me deixavas pagar o pequeno almoço. Era a tua forma de exercer alguma autoridade numa mulher já muito autónoma, e aquele gesto sabia-nos bem. Mudamos essa rotina mais perto do fim.
Nunca querias surpresas, seguramente que irias querer para o dia da Mãe uma camisola como tantas que agora compro a pensar em ti para as minhas clientes. As dos gatos e cães iriam ser a tua perdição. A Caetana iria correr para o carrocel e tu irias colocar a moeda, como na caixa do Jumbo antes de pagar as compras de casa irias dar-lhe um ovo kinder.
Chegaríamos a tua casa a correr porque tinhas que fazer o almoço para o meu irmão e filhos que chegassem entretanto e para que o papá não te ralhasse das horas, eu iria fazer charme distraindo-o enquanto fazias os almoço às 3 pancadas.
Almoçávamos e irias demorar a sentar-te porque também tinhas de tratar da comida dos cães e gatos que eram a tua perdição e paixão.
Irias reclamar das horas, que ainda estava tudo desarrumando e eventualmente irias sentar-te na mesa a meio da refeição porque dizias que éramos muitos e gostavas da comida fria. (O que as mães inventam para que a comida chegue para todos os filhos e netos.)
Eu iria descer para o pátio depois do almoço ficar sentada nas escadas exteriores ou ficaria sentada numa cadeira ao lado do Papá enquanto ele lia o Jornal e me respondia sempre em tom de gozo e provocatorio às coisas que lhe contava.
O sol queimaria as minhas faces e pernas destapadas. Iriam ouvir-se algumas gargalhadas.
Irias reclamar a dizer que estava a dar demasiada atenção ao Papá e iria subir para me despedir de ti. Dava-te um beijinho na boca, Caetana também e ficavas a dizer Adeus até o carro desaparecer.
Este ritual viria a ser o ponto de ligação que nos uniu para sempre.
É desta forma que te celebro hoje porque não me esqueço de nada. Nem das tuas mãos com creme nívea, nem do cheiro do teu perfume, do teu jeito a puxar os óculos de ver, da tua humildade disfarçada e da saudade das mil histórias da tua infância e adolescência que tanto te marcaram que ouvi com muito prazer e me fizeram feliz, porque ao saber de ti, sei da tua história e de como impactaste as nossas.
São Tomé de Negrelos terra da minha mãe em Santo Tirso. Parte do meu Berço e o que ela mais amava. Neta dos Coelho e Feijoas deste punhado de terra do nosso país. Uma história para outro capítulo do livro.
A quem vai tomar café ou almoçar com elas, que bom que é poderem fazê-lo. Como vos invejo, a quem está com preguiça ainda vão a tempo.
Eu daqui do meu sofá a ouvir os pássaros a chilrear, acabei de dar a minha volta com ela, e convosco hoje ao meu lado, que é a minha forma de a guardar bem forte e celebrar o meu amor por ela.
Mostrava-lhe os meus textos ela dizia o que muitas de vocês me têm dito:
- devias de escrever o livro.
Quando alguém o diz uma lágrima cai, não pelo livro mas por quem o disse tantas vezes para o fazer.
Anabela Pinto
La Portuguese
