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Livro - 2 capítulo

de La Portuguese em May 24, 2022
✒️II CAPITULO

Enquanto entendia que a minha vida de casa não era normal, começava a esconder isso na escola e de todos que me rodeavam. Tinha vergonha que descobrissem a verdade. Carregava esse peso. Dos 8 aos 16 anos escondi.

Fui perdendo a vergonha com os namorados que foram aparecendo. O Pedro, o Paulo ,dois namorados importantes que tive antes de casar com o pai da minha filha.

Pedro 2 anos de namoro (dos meus 16 aos 18 anos) e Paulo Peixoto, um namoro calmo de 5 anos (dos 18 aos 22 anos ). Logo a seguir um casamento de 10 anos com o Marco, onde nasce a minha filha (dos meus 23 aos 34). Foi dos 34 em diante que nasce a mulher que hoje sou.

Posso afirmar que renascemos todas se quisermos. Costumo dizer que pós divórcio aprendi a ler e a escrever novamente, tomei controle do leme sozinha e talvez a parte mais forte desta minha história se encontra nesse período que muitas vezes achamos infrutífero por estarmos sozinhas.

Anos antes na adolescência a chegada dos cunhados também foram importantes para que chegasse alguma normalidade na minha família e na nossa casa. O meu cunhado Paulo foi o mais importante.

Como todos eram mais velhos, a família foi se formando e o terror de mais de 18 anos para mim dissipando-se.

…………………………………..

Na escola em criança e adolescente não sei se posso dizer que fingia, mas tentava ser normal e fazer de conta que o que acontecia em minha casa não era relevante. No meu íntimo sabia que não, porque as histórias que ouvia de todos os meus amigos eram bem diferentes da minha. Havia amor, paz, colo, explicações, actividades extra curriculares, férias.

Desenvolvi a arte do silêncio, timidez e do ar distante e altiva para ninguém me fazer perguntas. Se não fosse simpática não teria de contar nada a ninguém.

Não entendia porque todos iam de férias, e nós não. Meus amigos contavam o quanto tinha sido divertido os fins de semana, eu agradecia se tivesse sido calmo.

Meu pais nunca estiveram presentes em reuniões de turma, (lembro-me de uma vez ou outra vez). Nunca levaram á escola e nunca apareceram para nenhum espectáculo de fim de ano. NUNCA é uma palavra forte.

Sei que antigamente os tempos eram dificeis, mas já estamos na década de 90. Nunca também deixa marcas.

Dos momento mais tristes era quando chegava a casa com notas excepcionais, dizia que tinha tirado Excelente e que tinha sido a melhor nota da turma e absolutamente ninguem vibrar com isso. Ou ainda na festa fim do ano de 1 ciclo, ter sido escolhida como uma das principais da festa para dançar a Lambada e não haver um elemento da familia para assistir.

Voltei a ter essa sensação quando abri o La Portuguese na Formosa em 2019, com 41 anos e no final da Inauguração ir para casa sozinha sem ninguém com quem partilhar vitórias. Tinham estado perto de 500 pessoas para visitar o espaço, mas no fim, sentada já no carro á noite em frente ao mercado de janela aberta, entendi que os festejos serão sempre nossos e que as expectativas que depositamos nos outros é problema nosso também, por muito triste que isso nos possa deixar. O equilibrio terá de ser sempre nosso e educar a mente para:

“tu és a unica pessoa que estará contigo até ao ultimo dia”

Em miúda queria ter feito patinagem, queria ter aprendido ópera, queria fazer dança. Não me foram dadas ferramentas nenhumas.

Limitei-me a estudar a ser a melhor da turma, a destacar-me em notas, estudo, desenhava roupa, escrevia poemas de amor. Lia, via todos os filmes TV e em VHS, hoje ainda sou amante de cinema. Queria ser Juíza ou A advogada.

Passava tempo com os rapazes que iam para o café dos meus pais jogar bilhar. Dai ter nascido também a Maria Rapaz que me veio dar o sal e alguma rebeldia.

Descia as escadas e sentava-me na esplanada a ouvir as conversas daqueles adolescentes mais velhos que eu, que me viam como a mascote e levavam para todo o lado. Alguns eram os melhores amigos do meu irmão, tratavam-me como uma princezinha por ser filha do Sr. Pinto e pelo carinho que tinham naturalmente.

O Jorge Soviético o mais importante, (suicidou-se anos mais tarde), o Isaac apaixonado por anos a fio pela minha irmã mais velha, o Zé Carlos Ribeiro, sempre pronto para soltar uma das gargalhadas mais estridentes de sempre. Sem estes 3 a minha vida teria sido mais chata, confesso. O Jorge já partiu sentado numa estrela reluzente, mas em 2012 ainda tivemos um encontro inesperado e que recordo com muito carinho.

Já não o via há uns anos (talvez 10) e encontramo-nos por acaso na entrada do centro comercial, tinha estado emigrado Sul de África, e sabem aquelas amizades que são mais que isso, porque pode passar uma vida que quando nos vemos retomamos exactamente com mesmo à vontade do ultimo dia antes dessa ausência, como se nos tivessemos visto no dia anterior. Pegou na Caetana sem pedidos de autorizações ou receios da minha reação, rodopiou-a e disse-me com todo o carinho do mundo, é uma Belinha (como me chamava) pequenina. Estivemos a trocar números, promessas, trocamos algumas mensagens mas a vida tem hora e destinos marcados. Seria a nossa despedida desta vida terrena. Passados 2 anos atirou-se da Ponte da Arrábida, suicidou-se. Procurei o pai por toda a vila, planos mirabolantes com empresas de condominio, encontrei o pai queria apenas dizer-lhe o quanto gostava dele e lamentava. Encontrar o pai foi fechar o meu ciclo e agradecer-lhe.

O Isaac e Zé Carlos estão nas minhas redes sociais, sabem minimanente da minha vida, mas fica aqui a minha homenagem por todas as boleias e momentos de refugio que tive convosco e nem sequer sabiam do impacto. Por todas as boleias a discotecas, saidas, romarias e horas de conversa ou silencios, por todas as risadas que aliviaram os meus dias. Se pensar em alguns momentos de felicidade na minha adolescência vocês os 3 vêm à minha memória. A familia Coimbra também.

…..............

Aquele sítio onde supostamente deveria ser o meu lar, era o campo de guerra que temia voltar todos os dias. Tínhamos sempre medo. Vigilantes. Aprendemos a ter de proteger a minha mãe e ficar contra ao meu pai, mesmo não compreendendo a história. Quando somos miúdos não entendemos nada. Ficamos do lado mais frágil, mas nem sempre o lado mais frágil tem razão, apenas é mais frágil. Meu pai deve ter sofrido de outra forma, só não sabia expressar a dor, a mágoa e revolta.

Existe uma frase que adoro desde os meus vintes e poucos:

Maya Angelou

“If I knew better. I would have done better.”

mas muitas vezes só não sabemos e ninguém nos explica como e as marcas traumas já se instalaram e programaram a nossa vida. As pessoas muitas vezes não fazem mais e melhor porque também não sabem como.

O que nos esquecemos é que podemos se quisermos a qualquer altura reprogramar tudo e ter um vida humilde e feliz. Livres do Ego.

Era um tanto Maria rapaz. Minha mãe contou-me que deveria ter nascido rapaz ou pelo menos era esse o plano.

Meu irmão mais velho Raimundo 5 anos mais velho, a seguir a Suzana 4 anos mais velha , a Bárbara 3 anos mais velha e eu. Fácil, um rapaz e duas meninas. Chamaram-me Zeca até ao meu nascimento, evento esse que não deixou dúvidas que o Zeca teria de passar a ser Anabela para desilusão do meu pai que queria mais um rapaz.

Vim de um parto complicado. Talvez a ansiedade também tenha nascido nesse dia por um parto de horas incontáveis.
O cordão estava no meu pescoço e não podia puxar para que nascesse. Acredito que também esse momento me tenha dado o desígnio que as coisas seriam um pouco complicadas.

Quando perguntava à minha mãe ou contava por alguma razão como tinham sido os seus 4 partos, dizia que tinha sido o parto mais difícil, o meu e o do meu irmão.

Ouvia pequena e ficava triste por saber que lhe tinha custado ter-me. Ficava pensativa por lhe ter causado mal. Cresci inconscientemente com sentimento de culpa de também a ter feito sofrer.

Como histórias “mal explicadas” podem influenciar comportamentos.

Tinha agora 2 estigmas, não ter nascido rapaz para desilusão do meu pai e ter feito sofrer a minha mãe. Como poderia dar a volta ao assunto para os compensar?

Por alguma ordem na minha vida foi a primeira grande decisão. Tinha 11 anos.

Se alguém se metesse comigo já não ficava calada, sabia ripostar e tinha o respeito de todos por ser a melhor aluna da sala. Respeito dos colegas e professores. Isto fez-me crescer. Saber falar e saber do que falava dá poder instantâneo.

Gostava dos elogios, já que não vinham de casa. Gostava do poder de saber que controlava o meu destino e que mediante o meu estudo e dedicação poderia ser mais e melhor. Ter boas notas eram presentes que me dava a mim. Sempre vi as boas notas como prémios e não como obrigações. Ou seja era uma oficialmente uma croma Maria Rapaz que queria ser gigante para ninguém me atingir.

Entendi rápido que os estudos seriam a minha escapatória e que com eles poderia ser um dia autónoma e não pedir nada a ninguém.

Apaixonei-me pela leitura graças a um professor de ciclo, professor Escaleira, que nos obrigava a ler uma vez por semana uma hora, um livro à nossa escolha. Lembro que o primeiro livro que li foi o Chocolate à chuva de Alice Vieira e mal a minha mãe notou que tinha essa apetência desenvolvemos uma cumplicidade única que perdurou vida fora.

Paralelamente constatei que ia muitas vezes a casa de banho e que em todos os intervalos queria ir fazer xixi. O mesmo acontecia quando me ia deitar, não adormecia à espera da ouvir copos a partir, ou a minha mãe começar a gritar e a chorar. Levantava-me várias vezes para aliviar a bexiga ou talvez seja mais correcto dizer, a mente irrequieta, repetia isso até estar exausta e adormecer.

Mais uma vez tinha vergonha, medo, pânico que descobrissem. Carregava esse peso. Dos 8 aos até me esquecer, um silêncio que apenas aos solitarios pertence. Falamos com o nosso “eu” que só se acompanha com culpa. Tentava não valorizar mas claro andava perturbada.

Tantos medos, que um capítulo seria dedicado a isso.

Que ele a magoasse,
Que ele fosse embora e ficássemos a passar fome,
Que perdêssemos o nosso lar.
Que ele a matasse.
Que ficasse sem pais.
Que ele fosse preso..
Que ela se matasse.
Que nunca mais os visse.

Fazia inúmeras equações. Não tinha resposta para nenhuma delas. Os meus irmãos não falavam abertamente disso. Qualquer amigo ou pessoa podia denunciar. Começam aparacer e ainda bem os primeiros anúncios na TV para denunciar maus tratos. Portugal começava a tentar ser civilizado.
Portanto apenas guardei recalquei.

Ser a melhor em tudo, iria com toda a certeza ser motivo de orgulho e de distração para eles e para mim.

Abri com as mãos e unhas um “buraco gigante” e tapei a minha realidade numa idade que deveria ser de brinquedos, paz e amor. Não foi. Cada um lidava sozinho com os seus fantasmas.

Queria deixar de ouvir berros, gritos, ameaças mas passaram-se anos (demasiados) e muitas vezes a violência, frustração, cansaço era tal que a minha mãe viria a bater com a própria cabeça nas portas de forma contínua. Não sei se lhe doía mas a ela ou a nós, sem idade, sem conhecimento de nada na vida para a acalmar. Berros, todos choravam.

- Pára por favor.
Quatro vozes a pedir o mesmo.

Meu irmão agarrava-a. Imagens que nunca se esquecem. Pensei muitas vezes ela vai enlouquecer.

Batia, batia, uma, duas, três (ouvia-se o estrondo). Até deixar-se escorregar sem forças. Desistia dela nesse dia e nos próximos.

- Eu quero morrer, eu quero morrer.
O ranho, as lágrimas, o desespero instalava-se. Arrastava-se para o quarto.

Estas atitudes foram nossa realidade por anos e as vidas dos seus 4 filhos ficariam impactadas negativamente sobre verdadeiro conceito de família.

Os medos não ficam instalados no imediato. Escondem-se e dão cartas fazendo estragos nas piores alturas e já na idade adulta, com pessoas que não merecem sofrer com os nossos medos, e que elas próprias também carregam a sua história.

O que se pode dizer a 4 crianças perante este quadro ? O que se pode esperar que seja o seu futuro?

A mesma Fátima que corria pelos campos de São Tomé de Negrelos, feliz. Vivia um casamento infeliz e tinha uma familia destruturada. O Zeca nunca foi feliz, nem em novo e em velho, nunca foi entendido.

Minha mãe dizia sempre que viemos ao mundo para sofrer. Enquanto lhe limpávamos as lágrimas e pedía para não termos filhos, com medo que o sofrimento se perpetuasse.

Meus irmãos, mais velho, ficava afastado, junto do meu pai, tentava ficar vigilante para que não houvesse mais nada nesse dia,

Minhas irmãs uma supervisionava, ia tratar da lida da casa, a outra tentava acalmar a minha mãe, descendo para o café dos meus pais ajudando o meu pai nos negócios.

Eu ficava sentada ao lado dela à espera que ela parasse. Podia demorar uma hora ou horas. Não importava ficava em silêncio a tentar acalmar. Fazia festas. Estava a acalmar-me sozinha e a ela que deveria de estar a fazer o papel inverso.

Voltaria outro episódio em breve.

Irei contar mais à frente como fomos educadas perante o sexo oposto e aos namorados e que efeitos tiveram esses valores.

Houve terror, descontrole mas também houve muitos momentos de amor e ensinamentos de grande valorização.
Como foi possível ? Num dos capítulos será explicado.

As marcas já lá estavam, os traumas também. Achamos que porque sorrimos, temos amigos, somos amados que vamos ter uma vida normal. Temos trabalho, uma vida social.
Mas na grande maioria dos caso não é dessa forma que acontece. As reações que temos face aos problemas tem uma bitola e a minha era claramente a do meu passado.

Anabela Pinto
La Portuguese

Continua ….

( I CAPÍTULO disponível no Blog do site
www.laportuguese.pt)

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